Credibilidade: uma questão de gênero

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4 min readSep 10, 2024

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por Stella Furquim — julho de 2024

Photo by Dingzeyu Li on Unsplash

Já pararam para pensar em como a palavra do homem tem mais força do que a palavra da mulher? O fenômeno que demonstra que na sociedade, por nenhuma razão lógica, percebe-se que a palavra do homem traz mais credibilidade que a da mulher tem nome: gender credibility gap, ou lacuna da credibilidade de gênero.

Este fenômeno pode ser observado em vários ambientes — desde nossas casas na convivência com nossas famílias até os ambientes profissionais, passando pelas escolas e universidades.

Desde os tempos de Adão e Eva

Diz o mito de Adão e Eva, contado na Bíblia, que Deus moldou o homem do barro e soprou-lhe as narinas, dando-lhe assim a vida. Na sequência, de uma costela de Adão, Deus criou Eva com o objetivo de que ela fosse ajudante do homem, e eles foram ordenados a povoar o planeta.

Viviam em um lugar maravilhoso, o Jardim de Éden, que lhes provia tudo o que era necessário para a vida. A única restrição era comer o fruto da árvore proibida, a árvore do conhecimento do bem e do mal.

Mas Eva — Eva foi incapaz de resistir à tentação e foi seduzida por uma serpente falante a experimentar o fruto proibido, e ainda convenceu Adão a dar uma mordida também.

Resultado? Foram condenados a uma vida de trabalho duro seguida de morte, dor de parto e subordinação ao marido para Eva.

E assim, há séculos, crianças nascem, crescem e são bombardeadas com os mais variados estereótipos de gênero em casa, nas escolas, nas histórias dos livros e também nos filmes.

Meninas são criadas para acreditar que existe um homem que será sua alma gêmea, que as respeitará e cuidará para que elas sejam felizes para sempre, enquanto meninos são estimulados a estudarem especialmente matérias e profissões onde o sucesso financeiro esteja garantido.

Como a descrença sistêmica na palavra das mulheres afeta a busca por justiça?

Nos mais variados terrenos, na busca por justiça, a palavra da mulher acaba tendo menor credibilidade também. Alguns estudos já comprovaram que experts do gênero masculino, quando são chamados a depor em juízo, são mais acreditados que experts do gênero feminino na mesma situação. O mesmo acontece para testemunhas, como foi estudado por Shannon Hardy no artigo científico intitulado “Impacto de testemunhas para júris de acordo com seu gênero”. Quando a questão envolve um homem sendo acusado por uma mulher de algum tipo de crime, geralmente a mulher é pouco acreditada.

Bill Cosby

Um caso icônico, por exemplo, é o do ator comediante americano Bill Cosby, que foi acusado de diversos crimes sexuais — desde assédio sexual até estupro — por dezenas de mulheres ao longo de muitos e muitos anos, e as mesmas sempre foram desacreditadas. Bastava que o ator negasse. Até que, em 2014, um outro comediante, também homem, falou sobre o Bill Cosby estuprador em um de seus shows dando assim credibilidade o suficiente para que uma investigação fosse iniciada. Ao longo de quase 5 décadas, Bill Cosby seguiu cometendo os mais diversos crimes sexuais contra mulheres e meninas, e foi necessário que um homem o acusasse para que as alegações fossem levadas a sério e o inquérito instaurado. Na ocasião, a grande advogada Glória Allred, representou 33 das 60 vítimas que alegavam crimes sexuais contra Cosby.

Julgamento com perspectiva de gênero

Em março de 2023, a então Ministra Rosa Weber estabeleceu a obrigatoriedade de Julgamento com Perspectiva de Gênero no Brasil através da resolução 492 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Esta resolução considera a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Márcia Barbosa de Souza e outros Vs. Brasil e tem dentre os objetivos estimular o judiciário brasileiro a contribuir ao alcance do Brasil a agenda de sustentabilidade de 2030.

O Caso de Márcia Barbosa de Souza chegou às esferas da corte interamericana de direitos humanos justamente porque toda a investigação do feminicídio bárbaro que ela sofreu e do processo criminal em desfavor de seu assassino foi carregado de estereótipos de gênero.

Assim, seguimos na esperança de que a credibilidade não seja mais uma questão de gênero ou de etnia, de raça nem de poder aquisitivo.

Stella Furquim
Diretora e co-fundadora do GAMBE — grupo de apoio a mulheres brasileiras no exterior.
O GAMBE (www.gambe.org) tem uma empresa social e tem como missão promover a igualdade de gênero, atuar na prevenção e no combate da violência contra mulheres de língua portuguesa no exterior e realizar atividades de comunicação e conscientização para desconstruir estereótipos de gênero e étnicos e cultural.

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Grupo de Apoio a Mulheres Brasileiras no Exterior

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