O caso da mulher que matou o marido na França e outras histórias
Quando li esta semana o desfecho do caso de Valerie Bacot, uma mulher na França que havia matado o marido mas saiu do tribunal em plena liberdade, comemorei.
Ela não foi absolvida. Foi condenada a 4 anos de prisão, 3 anos da pena foram suspensos e ela já havia ficado um ano em reclusão.
O caso de Bacot, bem como de Lorena Bobbit nos EUA, que em 1993 depois de anos de estupros maritais e abusos cortou o penis do marido enquanto ele dormia na cama.
Eu não culpo essas mulheres.
E vou além, acredito que deveria existir justiça de verdade para que este tipo de abuso nunca mais aconteça.
Cárcere privado moderno
Muitas mulheres hoje em dia vivem o que eu chamo de cárcere privado moderno. Elas sofrem vários tipos de abuso: moral, físico, patrimonial, sexual… Existem leis que as deveriam proteger mas a aplicação das leis se dá de maneira muito conservadora e lenta.
Uma história muito comum é a daquela mulher que vive um relacionamento abusivo, tem filhos, às vezes ela tem até um emprego, mas ganha menos do que o marido e não poderia se sustentar sozinha. O marido faz terrorismo emocional com ela e ameaca fazer algo com as crianças ou deixá-la na miséria.
Sim, homens controladores e abusadores mantém as esposas em casa, quietas, porque as ameaçam usando seus filhos. E com a ajuda do sistema.
A lei na maioria dos países ocidentais prevê vários tipos de violência de gênero. Os países da Europa ratificaram há 10 anos a Convenção de Istambul onde admitem que direitos das mulheres são direitos humanos. Também contamos com vários estudos acadêmicos que mostram a relação entre violência doméstica e/ou violência no relacionamento íntimo e inúmeros traumas, transtorno de estresse pós-traumático tanto em mulheres quanto nas crianças da família e etc bem como o controle coercitivo que os abusadores exercem sobre as vítimas e as consequências disso.
A mulher não precisa sofrer uma tentativa de feminícidio para ter sofrido violência física e produzir provas da violência psicológica ou patrimonial ou mesmo de estupro marital é praticamente impossível. A violência doméstica ocorre geralmente entre quatro paredes e, em sua grande maioria, agressores sabem muito bem evitar a produção de provas.
Eu sempre chamo as violências psicológica, patrimonial e estupro marital de “as mais cruéis”. Não fica uma marca imediata física, talvez nunca apareça uma marca física mas destrói pessoas emocionalmente e pior, perpetua o ciclo da violência quando crianças crescem nestes ambientes tóxicos e depois reproduzem as mesmas violências em suas relações íntimas.
Por isso é muito importante acreditar na palavra das vítimas. Mesmo porque quando as mesmas criam coragem para denunciar é porque já não estão aguentando mais a situação causada pelos abusos.
No sistema, a vítima pode acabar sendo punida.
Em vários países, mesmo com uma condenação por violência doméstica, o pai/agressor continua gozando de plenos poderes sobre as crianças e as vidas delas. Chama-se autoridade parental.
Não é incomum que crianças sejam sequestradas pelos pais, ou mortas, ou ainda que as mães sejam acusadas de alienação parental quando a própria criança não quer ter mais contato com o pai e entram num processo judicial onde laudos e relatorios virao de profissionais que não conhecem e as vezes nem se interessam pela situação real da família.
No Canadá, em março último, houve uma mudança na lei para que incluísse a obrigação aos juízes das varas de família envolvidos em casos de custódia e divórcio que perguntassem sobre a presença da violência doméstica na constância do relacionamento.
Afinal, nem sempre há queixa-crime e às vezes nem é por falta de chamar a polícia.
Policiais mal treinados ou que transparecem suas vieses de gênero, raça e, quando é o caso, contra imigrantes, não acolhem as vítimas da maneira devida e até decidem que não é o caso para uma denúncia. Aconteceu comigo em mais de uma ocasião e com várias pessoas que conheço.
Assim o sistema vai punindo a vítima, dando vantagem ao agressor em todas as camadas da estrutura.
Até que às vezes haja um corpo morto, nada é feito.
Precisamos alterar esta realidade e proteger mulheres e crianças enquanto reeducamos homens.
Stella Furquim